Lembranças de Pinguelli, ou… isso não é um obituário
por Marta Feijó Barroso, professora do Instituto de Física da UFRJ
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Faleceu Luiz Pinguelli Rosa, com seus recém completados 80 anos, no dia 3/3/2022. Uma pessoa com currículos extremamente bem sucedidos: o profissional – pesquisador, formador de pessoas, criador e defesor de instituições científicas e de políticas científicas, o político – primeiro diretor da Associação de Docentes da UFRJ, criada em plena ditadura militar, etc etc etc.
Há alguns aspectos de sua vida profissional que foram parte integrante – e muito relevante – da constituição do Instituto de Física. Aspectos um pouco prosaicos, talvez.
Um participante muito relevante de um grupo de quatro jovens oficiais que desejavam ser físicos – Pinguelli, Zieli, Sá Borges e Simão – e abandonaram o exército, mergulhando de cabeça nessa nova carreira, menos segura naqueles tempos. Que contou com uma passagem pelo hospital psiquiátrico do exército, pois claramente querer virar físico em vez de militar na década de 60/70 constituia um sério desajuste…
Completou seu doutorado em Física, após uma passagem em Trieste, em 1974 na PUC-RJ sob orientação de nosso jovem professor emérito Erasmo Ferreira.
Em 1974 o Instituto de Física da UFRJ estava começando sua trajetória como instituição de pesquisa. Atraindo professores estrangeiros, reformulando sua estrutura departamental, assumindo as disciplinas de Física para os engenheiros. E Pinguelli deu sua contribuição nesse processo.
Pelo menos na minha lembrança (e talvez na lembrança coletiva dos alunos que queriam ser físicos naquela época, alguns ainda ativos como professores do Instituto), desempenhou um papel muito relevante. Tão relevante que são essas lembranças que desejo guardar – e relatar.
Em 1975, uma turma do bacharelado desejava – é importante lembrar do contexto, ainda uma escola de ensino superior! – um bom curso de Mecânica Quântica, e mobilizou-se para solicitar ao “chefe” do FIT, o prof. Arvind Vaidya. Tempos em plena ditadura, com alunos reivindicando bons professores…
Na hora da prova, a turma estava insegura. A “representante da turma”, essa que vos escreve (e como gosta de falar) pediu adiamento da prova, em nome da turma, constituída quase que integralmente por homens. Obviamente, o professor negou. (E devo confessar a raiva que me possuiu a ponto de ter que controlar o choro.) E prova houve.
Na aula seguinte, em tempos pré-feministas (teve isso?) o professor Pinguelli entra em sala e o bicho pega. Reclama que uma turma de homens deixa uma mulher defendê-los, e ela não precisava de adiamento porque tirara boa nota (graças, aliás, à descoberta do texto de Cohen-Tanoudji). Esse era o professor…
Vida que segue, com muitas sextas feiras na Adega Pérola, degustando “Sanguê de Boeuf” com ovos coloridos… E conversando, alunos e professor, sobre a física, sobre a universidade, sobre a vida (e com o Paulinho, Paulo Carrilho, presente, sobre o Flamengo).
Forma-se um grupo, inicialmente de “Energias Intermediárias”, com algumas das primeiras reuniões temáticas da SBF. Acordo nuclear Brasil-Alemanha, os manifestos com Goldenberg, …
E Pinguelli começa a interessar-se por temas mais interdisciplinares, tenta formar no IF um grupo de pesquisa em “Energia” e acaba fundando o grupo na COPPE.
E também a ADUFRJ.
O resto da carreira está descrito nos diversos documentos que circulam oficialmente.
Mas essa passagem pelo Instituto de Física é a que ficou em minha memória – que é plástica, individual e única. E é a que vale conservar.
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Texto publicado no Instituto de Física/UFRJ em 4/3/2022