Luiz Pinguelli Rosa e a área nuclear brasileira
por Odair Dias Gonçalves, professor do Instituto de Física da UFRJ
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Com a morte de Luiz Pinguelli Rosa o Brasil perdeu uma de suas grandes personalidades, não só da ciência, mas também da política e da tecnologia, em particular nas áreas de energia e nuclear.
Oriundo da Academia Militar de Agulhas Negras, aluno do IME de engenharia elétrica, iniciou carreira militar, que abandonou em 1967 por insurgir-se contra aquela disciplina cega, dedicando-se à carreira de cientista, começada com o bacharelado no IF-UFRJ. Cito estes detalhes, provavelmente já abordados em outros textos, por achar que explicam em parte o caráter irrequieto e polêmico de nosso colega, sempre um grande apoiador do PT, apesar de nunca ter ser filiado.
Conheci Pinguelli quando cheguei ao IF em 1976. Junto com Ennio Candotti e outros no Departamento de Física Teórica, constituíam um dos grupos mais instigantes do IF na época (em plena ditadura!!!) cheios de planos e proposições revolucionárias para o ensino da época.
Foi ele um dos responsáveis, juntamente com Fernando Souza Barros, por meu interesse na área de política tecnológica nuclear. Pinguelli, 10 anos mais velho que eu e Fernando, 20 anos a mais, me adotaram, no início pedindo que revisasse textos produzidos pelos dois, depois me delegando perícias sobre segurança radiológica (em Angra e Poços de Caldas) e finalmente me convidando para fazer parte de comissões de Acompanhamento da Questão Nuclear no Brasil, da SBF e do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ. Sempre que se necessitava a opinião de um especialista em reatores, política nuclear ou uso bélico da energia nuclear, Pinguelli era a referência.
Um grande crítico do acordo nuclear com a Alemanha, firmado no início da década em 75 e que visava a compra de entre 4 e 8 reatores, incluindo também a transferência de tecnologia. O fracasso do acordo mostrou o quanto eram relevantes suas desconfianças.
Produziu diversos estudos sobre a segurança dos reatores de Angra e sobre a capacidade técnica do Brasil produzir uma bomba, tendo feito parte da comissão que denunciou a construção do sítio na Serra do Cachimbo, pretensamente para testes nucleares.
A atuação sempre crítica levou-o (e ao Fernando) a interagir com diversos grupos, (até mesmo think tanks americanos) e a ser convidado para fazer parte do Pugwash, uma organização internacional que objetiva reduzir a ameaça de conflitos armados e procura soluções para a segurança global. Graças aos contatos no Pugwash, a UFRJ pode receber a visita de Joseph Rotblat, um dos únicos Físicos do Projeto Manhatan (para desenvolvimento e construção da bomba atômica) que se rebelou e denunciou a ação, passando a dedicar seus esforços para a eliminação das armas nucleares no mundo. Sua visita ocorreu no início dos anos 90, pouco tempo antes do cientista vir a ser agraciado com o Nobel da Paz (em 95).
Graças em grande parte a Pinguelli, assumi em 2003 a presidência da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Estávamos todos animados com a eleição de Lula. Pinguelli estava cotado para o Ministério de Minas e Energia, mas acabou sendo designado para a Presidência da Eletrobrás, onde ficou até 2004, saindo devido a divergências sobre a condução da política de produção de energia elétrica e reassumindo a direção da Coppe.
Durante todos os anos em que convivemos, aprendi muito com seu extenso conhecimento e com suas posições firmes, mas, sempre, antes de qualquer outra característica, polêmica. Presenciei o Pinguelli dando inúmeras entrevistas. Era um mestre em apontar falhas e denunciar problemas, notadamente em relação à área nuclear, mas sem nunca se manifestar claramente contra ou a favor da tecnologia, deixando claro que esta não é boa ou ruim em si, mas que depende de como são executadas as políticas e garantidas a segurança do público e do meio ambiente.
Temos grandes políticos, cientistas e engenheiros na área nuclear, mas a ausência de Luiz Pinguelli Rosa será sentida e lamentada por muito e muito tempo.
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Texto publicado no Instituto de Física/UFRJ em 4/3/2022