Ciência e tecnologia na Constituinte
A década de 1980 no Brasil foi marcada pela mobilização da sociedade em favor da retomada do regime democrático. Em 1983, o deputado mato-grossense Dante de Oliveira apresentou uma emenda à Constituição de 1967 que previa a realização de eleições diretas para presidente, proibidas pela ditadura militar. A emenda foi o estopim de uma grande campanha nacional, que levou milhares de pessoas às ruas por Diretas Já.
Apesar das manifestações, a emenda foi derrotada. Eleito por voto indireto, o governador mineiro Tancredo Neves, opositor moderado ao regime militar, adoeceu às vésperas da posse. Foi em um clima de grande frustração que o vice José Sarney assumiu a presidência em 15 de março de 1985. Na cerimônia, Sarney leu o discurso preparado para Tancredo, em que se comprometia com a elaboração de uma nova Constituição. Seis dias depois, Tancredo faleceu. Em junho, Sarney manteve a promessa e enviou ao Congresso a proposta de convocação da Assembleia Constituinte.
O processo de elaboração da nova Constituição passou a canalizar os esforços da sociedade por democratização. Pinguelli Rosa, que havia sido presidente da Andes (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior) e cumpria seu primeiro mandato como presidente da Coppe, se dedicou intensamente às articulações do movimento Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Social na Constituinte.
“Fizemos encontros preparatórios e organizamos vários debates em São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, especialmente com os sindicatos de engenheiros. Pinguelli participou muito”, lembra Ildeu de Castro Moreira, que representava a Andes na época. “O objetivo era influenciar os debates para que houvesse um capítulo na nova constituição sobre Ciência e Tecnologia que garantisse a pesquisa básica”, continua Ildeu.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) teve papel de liderança no processo. Em 1986, a SBPC formou uma comissão para formular propostas para a Constituinte, integrada por Milton Santos, Aziz Ab’Saber e Bolívar Lamounier, entre outros. A 38º reunião anual, em Curitiba, teve a Constituinte como tema em vários painéis.
Em 1987 foi criado oficialmente o Movimento C&T na Constituinte para o Desenvolvimento Social, uma organização colegiada que reuniu dezenas de entidades. No mesmo ano, uma comissão da SBPC entregou um documento com propostas para a Constituinte. O documento trazia propostas relacionadas aos temas Espaço e Território; Ciência e Tecnologia; Educação e Instrução; Saúde; Meio Ambiente e Populações Indígenas.
“Foi uma grande luta, mas tivemos vitórias importantes”, lembra Ildeu. A criação de um artigo sobre Ciência e Tecnologia na Constituição de 1988 já foi um feito inédito na história brasileira.
O artigo nº 218, atualizado em 2015, responsabilizou o Estado pela pesquisa científica e tem o seguinte texto:
O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação.
§ 1º A pesquisa científica básica e tecnológica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação.
§ 2º A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional.
§ 3º O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa, tecnologia e inovação, inclusive por meio do apoio às atividades de extensão tecnológica, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho.
§ 4º A lei apoiará e estimulará as leis que que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho.
§5º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular parcela de sua receita orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica.
“Com isso, reconheceu-se a importância da Ciência e Tecnologia na geração de crescimento econômico, o que, aliás, é recorrente entre os países em desenvolvimento”, escreve o diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais, André Ramos Tavares, em artigo para a Revista de Informação Legislativa.
“O objetivo era ter um capítulo sobre Ciência e Tecnologia que garantisse a pesquisa básica e isso conseguimos. Achávamos que deveria ter um item garantindo recursos para o setor; isso não se conseguiu aprovar. Mas conseguimos também um artigo que colocasse a questão da abertura das fundações para pesquisa nos estados. A criação das federações de amparo à pesquisa surgiu daí”, diz Ildeu de Castro Moreira.
Outro tema em que a comunidade científica atuou – e no qual Pinguelli Rosa teve papel de destaque – foi o da tecnologia nuclear. Enquanto a Assembleia Constituinte se reunia, o Brasil discutia a denúncia, negada pelo governo militar, de que um local para teste de armas nucleares havia sido construído no Pará (ver o texto Serra do Cachimbo). Pinguelli e outros cientistas produziram estudos mostrando que a instalação era, sim, compatível com a realização dos testes. Ildeu lembra que Pinguelli teve posição proeminente neste debate, como relator do estudo realizado pela Sociedade Brasileira de Física: “Eu sentia que o fato dele ter sido militar ajudava. Nos debates, Pinguelli era extremamente inteligente e hábil. Tinha uma capacidade de diálogo e de articulação muito grande”.
A atuação da comunidade científica contribuiu para que, no capítulo 2 da Constituição, o artigo 21 reze que compete à União “exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados”. Além disso, o artigo afirma que “toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional”.
É preciso combinar teoria e técnica, na ideia de uma ciência que sirva à humanidade “
Pinguelli
Ciência e tecnologia na Constituinte
A década de 1980 no Brasil foi marcada pela mobilização da sociedade em favor da retomada do regime democrático. Em 1983, o deputado mato-grossense Dante de Oliveira apresentou uma emenda à Constituição de 1967 que previa a realização de eleições diretas para presidente, proibidas pela ditadura militar. A emenda foi o estopim de uma grande campanha nacional, que levou milhares de pessoas às ruas por Diretas Já.
Apesar das manifestações, a emenda foi derrotada. Eleito por voto indireto, o governador mineiro Tancredo Neves, opositor moderado ao regime militar, adoeceu às vésperas da posse. Foi em um clima de grande frustração que o vice José Sarney assumiu a presidência em 15 de março de 1985. Na cerimônia, Sarney leu o discurso preparado para Tancredo, em que se comprometia com a elaboração de uma nova Constituição. Seis dias depois, Tancredo faleceu. Em junho, Sarney manteve a promessa e enviou ao Congresso a proposta de convocação da Assembleia Constituinte.
O processo de elaboração da nova Constituição passou a canalizar os esforços da sociedade por democratização. Pinguelli Rosa, que havia sido presidente da Andes (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior) e cumpria seu primeiro mandato como presidente da Coppe, se dedicou intensamente às articulações do movimento Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Social na Constituinte.
“Fizemos encontros preparatórios e organizamos vários debates em São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, especialmente com os sindicatos de engenheiros. Pinguelli participou muito”, lembra Ildeu de Castro Moreira, que representava a Andes na época. “O objetivo era influenciar os debates para que houvesse um capítulo na nova constituição sobre Ciência e Tecnologia que garantisse a pesquisa básica”, continua Ildeu.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) teve papel de liderança no processo. Em 1986, a SBPC formou uma comissão para formular propostas para a Constituinte, integrada por Milton Santos, Aziz Ab’Saber e Bolívar Lamounier, entre outros. A 38º reunião anual, em Curitiba, teve a Constituinte como tema em vários painéis.
Em 1987 foi criado oficialmente o Movimento C&T na Constituinte para o Desenvolvimento Social, uma organização colegiada que reuniu dezenas de entidades. No mesmo ano, uma comissão da SBPC entregou um documento com propostas para a Constituinte. O documento trazia propostas relacionadas aos temas Espaço e Território; Ciência e Tecnologia; Educação e Instrução; Saúde; Meio Ambiente e Populações Indígenas.
“Foi uma grande luta, mas tivemos vitórias importantes”, lembra Ildeu. A criação de um artigo sobre Ciência e Tecnologia na Constituição de 1988 já foi um feito inédito na história brasileira. O artigo nº 218, atualizado em 2015, responsabilizou o Estado pela pesquisa científica e tem o seguinte texto: O
Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação.
§ 1º A pesquisa científica básica e tecnológica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação.
§ 2º A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional.
§ 3º O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa, tecnologia e inovação, inclusive por meio do apoio às atividades de extensão tecnológica, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho.
§ 4º A lei apoiará e estimulará as leis que que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho.
§5º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular parcela de sua receita orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica.
“Com isso, reconheceu-se a importância da Ciência e Tecnologia na geração de crescimento econômico, o que, aliás, é recorrente entre os países em desenvolvimento”, escreve o diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais, André Ramos Tavares, em artigo para a Revista de Informação Legislativa.
“O objetivo era ter um capítulo sobre Ciência e Tecnologia que garantisse a pesquisa básica e isso conseguimos. Achávamos que deveria ter um item garantindo recursos para o setor; isso não se conseguiu aprovar. Mas conseguimos também um artigo que colocasse a questão da abertura das fundações para pesquisa nos estados. A criação das federações de amparo à pesquisa surgiu daí”, diz Ildeu de Castro Moreira.
Outro tema em que a comunidade científica atuou – e no qual Pinguelli Rosa teve papel de destaque – foi o da tecnologia nuclear. Enquanto a Assembleia Constituinte se reunia, o Brasil discutia a denúncia, negada pelo governo militar, de que um local para teste de armas nucleares havia sido construído no Pará (ver o texto Serra do Cachimbo). Pinguelli e outros cientistas produziram estudos mostrando que a instalação era, sim, compatível com a realização dos testes. Ildeu lembra que Pinguelli teve posição proeminente neste debate, como relator do estudo realizado pela Sociedade Brasileira de Física: “Eu sentia que o fato dele ter sido militar ajudava. Nos debates, Pinguelli era extremamente inteligente e hábil. Tinha uma capacidade de diálogo e de articulação muito grande”.
A atuação da comunidade científica contribuiu para que, no capítulo 2 da Constituição, o artigo 21 reze que compete à União “exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados”. Além disso, o artigo afirma que “toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional”.
É preciso combinar teoria e técnica, na ideia de uma ciência que sirva à humanidade “
Pinguelli
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DOCUMENTOS
- A SBPC e a Constituição Brasileira (Portal SBPC, 2022)
- Constituição Federal de 1988 (Portal da Câmara dos Deputados)
- Ciência e tecnologia na Constituição (André Ramos Tavares, Senado Federal, set 2007)
- Ciência, tecnologia e Constituição (Fernanda A. da Fonseca Sobral, Depto. de Sociologia da UnB, jul/dez 1990)
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ARTIGOS
- A política nuclear brasileira após Chernobyl (Pinguelli, Folha de São Paulo, 8 jun 1987)
- Tecnologia nuclear – é preciso sair do controle militar (Pinguelli, Folha de São Paulo, 12 set 1987)
- A Constituição Federal a e pesquisa básica (Helena Nader, Portal SBPC, 24 mar 2014)
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MATÉRIAS E REPORTAGENS
- Ciência, tecnologia e universidade na pauta do debate-Constituinte (O Globo 13 out 1985)
- Cientistas pedem recursos para o avanço tecnológico (O Globo, 12 dez 1985)
- Entrevista com Luiz Pinguelli Rosa (Boletim do Movimento de C&T na Constituinte para o Desenvolvimento Social, março de 1987)
- SBPC levará propostas à Constituinte (Jornal Folha da Tarde/Acervo SBPC, 15 jul 1987)
- Futuro da pesquisa nacional terá definição da Constituinte (O Globo, 9 mai 1988)
- Participação dos movimentos sociais foi imprescindível para que Constituição se tornasse cidadã (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde, 6 jul 2018)
- 30 anos da Constituição: a Carta Magna brasileira é generosa demais? (BBC Brasil, 5 out 2018)
- 30 anos da Constituição Cidadã (Portal SBPC, dez 2018)
- Coleção Memória da Constituinte relembra a campanha que resultou na Carta de 1988 (Museu da República, 12 nov 2020)
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VÍDEOS