Luiz Pinguelli Rosa: um mestre guerreiro

Professor Titular da UFRJ e ex-diretor da Coppe, Luiz Pinguelli Rosa nasceu no Rio de Janeiro em 19 de fevereiro de 1942. Filho do alfaiate Avilla Rosa e de Dalva Pinguelli Rosa, costumava dizer que parte de sua formação se devia às conversas sobre política que ouvia na alfaiataria do pai. “Acho que aprendi mais na alfaiataria do que na escola”, brincava Pinguelli ao relembrar o período no qual colaborava com o pai quando chegava da escola. Mal sabia ele que tal aprendizado lhe seria de grande valor em momentos decisivos de sua trajetória.

Estudou na Escola Rio Grande do Sul e no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, cursando em seguida a Escola Preparatória de Cadetes do Exército, em São Paulo, e a Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende (RJ). Não tinha medo de correr riscos. Democrata convicto, foi preso ao se manifestar contra o golpe militar que depôs o presidente João Goulart. Deixou o Exército.em 1967, ano em que se formou em Física pela UFRJ.

Árduo crítico do Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, Pinguelli revelou publicamente suas mazelas. Em junho de 1979, em depoimento à comissão parlamentar de inquérito (CPI) do Senado sobre o Acordo, criticou a concepção e a forma de execução do programa nuclear brasileiro, questionando, projeções superestimadas de crescimento do mercado de energia elétrica do país e a subestimação da possibilidade de atendê-lo com fontes não nucleares, em especial a hidroeletricidade. Questionou também os custos das centrais nucleares previstas; a escolha da tecnologia, e a possibilidade efetiva de transferência de tecnologia. Infelizmente a CPI criada na época para verificar denúncias de corrupção no programa nuclear brasileiro encerrou suas atividades sem maiores resultados.

Nos anos 1980, já como diretor da Coppe/UFRJ, Pinguelli participou de estudos de uma comissão da Sociedade Brasileira de Física (SBF) que resultaram na revelação da construção de instalações militares na Serra do Cachimbo (PA) para a realização de testes com artefatos nucleares. Denunciou a existência dessas instalações com as características típicas de um campo de provas para explosões nucleares noticiada em junho de 1986 pelo jornal Folha de S. Paulo, causando grande repercussão pública. Na época, o governo José Sarney desmentiu categoricamente a denúncia. Posteriormente, o presidente Fernando Collor reconheceria a existência do projeto para fazer uma explosão nuclear subterrânea no local, lacrando o poço de Cachimbo. O resultado do estudo “For promoting public understanding of the relationships of Physics and Society” foi registrado em publicação científica e lhe rendeu o Forum Award da Associação Americana de Física, em 1992.
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“A política é indissociável da Universidade”

Pinguelli costumava dizer que “a política é indissociável da Universidade”. Em 1986, logo após o fim do regime militar, foi eleito para o seu primeiro mandato como diretor da Coppe/UFRJ. Era o começo do processo de redemocratização no país. “A primeira coisa que fizemos foi convidar os professores que haviam sido expulsos pelos militares para retornar à instituição”, lembrou em entrevista concedida para a revista Coppe 50 anos que retrata cinco décadas de história da instituição fundada por Alberto Luiz Coimbra em 1963.

Professor do Programa de Planejamento Energético, foi eleito cinco vezes para o cargo de diretor da Coppe (1986-1989; 1994-1997; 2002, 2007-2011; 20011-2015). Seu mandato de 2002 foi interrompido em 2003 para que assumisse a presidência da Eletrobras, na qual permaneceu até maio de 2004.

À frente do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ de 1990 a 1993, liderou a discussão de temas centrais, aproximando ainda mais a universidade da sociedade. Em maio do mesmo ano, juntamente com o sociólogo Herbert de Sousa, o Betinho, contribuiu para a criação do Comitê de Entidades Públicas no Combate à Fome e pela Vida (Coep).

Pinguelli e Betinho selaram o que viria a ser uma longa parceria entre a Coppe e o Coep. Após o temporal ocorrido no Rio de Janeiro em 3/2/1996 que resultou na morte de centenas de pessoas e deixou 6.500 desabrigadas, as duas instituições promoveram o seminário “Prevenção e Controle dos Efeitos dos Temporais no Rio de Janeiro”, reunindo  pesquisadores e especialistas de várias áreas que trabalharam voluntariamente em busca de soluções. Tais contribuições se encontram no livro Tormentas Cariocas, lançado em 1997, que reúne diagnósticos e recomendações feitas por cerca de 40 especialistas para mitigar os efeitos das chuvas e temporais no Rio de Janeiro.

Em 1995, uma semana antes de ser agraciado com o Prêmio Nobel da Paz, o físico britânico de origem polonesa Joseph Rotblat (1908–2005), conhecido por suas contribuições científicas e sua militância pelo desarmamento nuclear, esteve no Rio, a convite de Pinguelli, para proferir na Coppe a conferência sobre os 50 anos de Hiroshima e Nagasaki. A visita teve grande repercussão na comunidade científica e na opinião pública e marcou a reabertura do processo de adesão do Brasil ao Tratado de Não Proliferação Nuclear. Rotblat voltou ao Brasil em 1996, quando esteve com o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Em 1998, dois anos após esse encontro, o Brasil finalmente aderiu ao tratado.

Crítico ao processo de privatização de empresas públicas, Pinguelli promoveu na Coppe debates e grupos de estudo sobre o tema. Em 1997, quando a Vale estava sendo negociada, coordenou um grupo de especialistas que denunciou o esquema de compra da empresa brasileira por um grupo multinacional dono de uma subsidiária responsável pela modelagem da venda. Em seguida, o grupo se retirou do leilão.

No ano 2000, enviou carta ao presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, alertando sobre o risco de uma grave crise no setor elétrico. A previsão se confirmou em 2001, quando o governo federal teve de montar um plano de racionamento de energia elétrica que ficou conhecido como“apagão”. Pinguelli abordou o tema em seu livro “O Apagão: por que veio / Como sair dele?”.
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“Cantar a beleza de ser um eterno aprendiz”

Pinguelli também se interessava por Filosofia e História da Ciência. Gostava de ensinar e aprender. Como um bom pesquisador, tinha curiosidade sobre vários temas e áreas do saber. Foi um dos fundadores e professor do Programa de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia da UFRJ, inicialmente sediado na Coppe. É autor de Tecnociências e humanidades: novos paradigmas, velhas questões, publicado em dois volumes pela editora Paz e Terra, em 2006. A obra concorreu ao Prêmio Jabuti, ficando entre as dez selecionadas na categoria Humanidades.

Trabalho e política à parte, aos domingos se arriscava no campo da culinária para receber os filhos Luiz Fernando, Luiz Eduardo e Leonardo, os netos Arthur e Helena, e as noras Beatriz e Isabela. Tinha prazer em se gabar dos quitutes, principalmente de um peixe assado no azeite que costumava fazer para recebê-los. Também participavam do almoço, às vezes, seu irmão Sérgio e Marília Rosa. Apreciava música, era fã do Gonzaguinha, e gostava de dançar. Adorava um bom filme e nos últimos anos assistia e comentava com entusiasmo bons documentários. Carioca da gema, quando ia ao Centro da cidade, onde nasceu e passou a infância, costumava convidar quem estava com ele para almoçar nos restaurantes tradicionais, em geral os que serviam comida portuguesa, e eram por ele apelidados de “restaurantes de toalhas brancas”.

Pinguelli faleceu em 3 de março de 2022. Deixou um grande legado e embora gostasse de um bom debate, afinal a Ciência evolui na crítica, deixou muitos admiradores. Principalmente entre colegas e alunos porque, acima de tudo, foi um grande mestre, um professor. Gostava mesmo era de dar aulas.
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Trajetória acadêmica

Mestre em Engenharia Nuclear pela Coppe/UFRJ (1969), doutor em Física pela Pontifícia Universidade Católica pela PUC-Rio (1974), no ano seguinte ingressou como docente na Coppe e no Instituto de Física da UFRJ.

Foi membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), do conselho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); do Conselho Pugwash (1999-2001) – associação fundada por Albert Einstein e Bertrand Russel voltada para o combate ao armamento nuclear, a qual foi agraciada com o Nobel da Paz, em 1995. Foi secretário-geral da Sociedade Brasileira de Física por dois mandatos, de 1994 a 1998, e presidente da Associação Latino-Americana de Planejamento Energético, de 1994 a 1998.

Desde 1998, foi autor ou revisor de relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, entidade que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2007. De 2004 a 2016, foi secretário executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas (FBMC), presidido pelo presidente da República, que reúne representantes de órgãos ingovernamentais e entidades da sociedade civil.

Orientou mais de 100 teses de doutorado e dissertações de mestrado. É autor de sete livros e tem mais de 180 trabalhos científicos publicados, a maioria deles no exterior. É autor de Tecnociências e humanidades: novos paradigmas, velhas questões, publicado em dois volumes pela editora Paz e Terra, em 2006, e que concorreu entre os dez selecionados ao Prêmio Jabuti, na categoria Humanidades. Saiba mais sobre a fecunda produção acadêmica do professor Luiz Pinguelli Rosa.

Confira “A política é indissociável da universidade”, entrevista com Luiz Pinguelli Rosa, publicada na revista Engenharia e Inovação: a arte de antecipar o futuro, em comemoração dos 50 anos da instituição. A entrevista, na íntegra, se concentra da página 46 à 51.

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Fonte: Planeta Coppe