Debate e gestão no setor de energia

Na presidência da Eletrobras

Em 2002, após a eleição de Lula para presidente, o nome de Luiz Pinguelli Rosa começou a circular na imprensa como um possível ministro das Minas e Energia. Afinal, a pedido de Lula, Pinguelli coordenara o grupo de trabalho do Instituto da Cidadania que produziu o documento Diretrizes e linhas de ação para o setor elétrico brasileiro, com propostas de políticas para o setor. A convite de Pinguelli, Dilma Rousseff, que era secretária de Energia do governo de Olívia Dutra, no Rio Grande do Sul, fez parte do grupo. Na primeira reunião, Pinguelli a apresentou a Lula. “Foi amor à primeira vista no nível político”, lembra ele na sua autobiografia.

O diagnóstico para o Instituto da Cidadania era crítico das privatizações e refletia o pensamento de Pinguelli sobre o setor elétrico, que ele expressou em um debate, diante de uma plateia de empresários:

– Energia elétrica é em primeiro lugar um serviço público, com um componente de mercado como um meio, e não como um fim em si.

Pinguelli atribui a esta posição o veto ao seu nome para o Ministério e a escolha de Dilma Rousseff para o posto. Numa reportagem da revista Piauí, o jornalista Luiz Maklouf relata que Pinguelli estava certo de que seria o ministro. “Mal se anunciou a vitória do PT, Pinguelli Rosa telefonou para Ildo Sauer e disse: ‘Vamos montar o grupo de transição da área de energia aqui no Rio mesmo, que é mais fácil para mim.’ O tempo passava, no entanto, e não chegava o convite de Lula.”

Segundo a reportagem, “pesou na decisão de Lula a simpatia que Antonio Palocci tinha pela secretária gaúcha. Mais do que pessoal, a simpatia era política: o ministro da Fazenda estava informado sobre o trânsito fluido que ela mantinha com empresários do setor – assustados com a possível indicação de Pinguelli Rosa – e sabia de sua concordância com a ‘Carta aos Brasileiros’, o documento de campanha que simbolizava a mudança do PT”.

No seu livro Memórias, Pinguelli lembra da “Carta aos Brasileiros” como uma infeliz virada do governo petista, em que Lula e seus companheiros, em nome da governabilidade, anunciaram que vitórias da gestão de Fernando Henrique Cardoso não seriam colocados em risco, nem haveria mudanças abruptas na política econômica.

Embora deixe transparecer uma ponta de decepção por não ter sido indicado ministro, ele frisou que tinha deixado claro que não queria trabalhar em Brasília:

– Prefiro um cargo em uma estatal no Rio – dizia aos amigos.

E foi o que ele recebeu, com o convite para presidir a Eletrobras, a holding de um sistema de 17 organizações, incluindo Itaipu, a Eletronuclear e um centro de pesquisas, o CEPEL. Na posse, na lotada sede da Firjan, com a presença da ministra Dilma, um emocionado Pinguelli anunciou prioridades, como a criação de uma Coordenação para Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social, que teria a seu cargo a universalização do acesso à energia no Brasil, e a valorização do conselho de presidentes das empresas do grupo.

Pinguelli terminou o discurso com uma frase de Betinho: “Todas as empresas públicas ou privadas, sejam grandes ou pequenas, nacionais ou multinacionais, só fazem sentido, só valem a pena, se elas contribuírem para construir um país onde todos possam ter o atendimento de suas necessidades fundamentais”.

Foi com esta visão que Pinguelli Rosa dirigiu a estatal, que queria tornar “a Petrobras do setor elétrico”. A empresa, conta ele no seu livro, “estava esvaziada e com o moral baixo, esperando a privatização”. As organizações do grupo atuavam sem uma coordenação efetiva entre si.

Um dos seus primeiros atos foi colocar para funcionar o Concise, conselho de presidentes das empresas do grupo, que até então existia mais no papel do que na realidade. Jorge Miguel Samek, que foi diretor de Itaipu no período, lembra como funcionava o conselho: “Todo mês era reunião com todos os dirigentes do setor energético, com pauta, meta e uma cobrança permanente desse processo, o que nós avançamos em dois anos, não aconteceu na sequência de todos os anos posteriores”, disse, em evento de homenagem ao amigo.

Pinguelli tinha orgulho ao enumerar as realizações do seu curto período à frente da estatal, de janeiro de 2003 a maio de 2004. As ações da holding valorizaram 103% e empresas como Furnas e Chesf tiveram lucros recorde. Em 2003, o governo lançou o programa Luz para Todos, com a meta de beneficiar 12 milhões de brasileiros sem acesso à energia elétrica até 2008. O programa era executado pela Eletrobras, em articulação com o Programa Fome Zero. Assim, o fornecimento de energia elétrica era associado a iniciativas de geração de renda.

.

Os embates

As mudanças na gestão não aconteceram sem brigas. A primeira foi uma das mais barulhentas, pois mobilizou a classe artística. A Eletrobras era uma grande patrocinadora de equipes esportivas, filmes, eventos, e livros, além de ações de preservação do patrimônio histórico e artístico. André Spitz, assessor da presidência e responsável pela coordenação do Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social, propôs tornar o processo mais transparente, instituindo um edital público e a criação de critérios claros. A nova política também incluiria reservar parte dos recursos para pequenas produções de cinema e teatro em todas as regiões do Brasil.

A proposta provocou uma onda de projetos de artistas, que acusavam a empresa de pretender dirigir as ações culturais. “Foi uma grande mudança, que gerou uma forte reação. A pressão foi enorme, chegou a sair matéria no Jornal Nacional”, lembrou Spitz, em seu depoimento para o site. Pinguelli convocou uma reunião com alguns representantes da cultura, que incluiu os atores Marieta Severo e Marco Nanini e o cineasta Luiz Carlos Barreto. “Ele conseguiu amenizar os ânimos. Também publicou um importante artigo no jornal O Globo. Ele tinha uma grande capacidade de dialogar”, acrescentou Spitz. Um documento de consenso, que incluiu sugestões feitas pelos artistas, encerrou a polêmica.

.

Pinguelli também usou sua capacidade de dialogar no contato com os representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Ele conhecera o grupo anos antes, quando estava à frente da ANDES, e ficara convencido sobre a importância de considerar o impacto social nos projetos hidrelétricos. Como pesquisador, fora co-autor de livros e pesquisas sobre o tema. Na Eletrobras, ele conseguiu estabelecer uma relação respeitosa com o grupo: “Não fugi do debate. Convidei representantes do MAB para reuniões (…) e criei uma assessoria para tratar das questões que o movimento colocava”, escreveu, em seu livro “Memórias”. O relato é confirmado por André Spitz: “Pinguelli teve uma postura totalmente inovadora na relação com o Movimento, estabelecendo uma relação de confiança e atendendo de forma mais justa às suas demandas”.

Como gestor, Pinguelli não deixou de comprar briga com empresas privadas para defender os interesses da estatal. Foi assim que insistiu para que Furnas suspendesse um contrato com os controladores de uma usina em Cuiabá, que cobravam um preço altíssimo por energia que não precisava. O Ministério da Fazenda dizia que não era possível alterar o contrato.

– Renegociações de contratos ocorrem entre empresas privadas, porque não entre uma estatal e uma empresa privada? – argumentou Pinguelli.

Um dos embates mais duros foi com a El Paso, dona de uma termelétrica que fornecia energia à Manaus Energia a um preço considerado muito alto. Com o contrato entre as duas organizações vencido, Pinguelli encarregou o diretor financeiro Alexandre Magalhães da Silveira de negociar novos termos. A El Paso queria renovar o contrato, nas mesmas bases, por mais 20 anos. Sem acordo, a Eletrobras suspendeu os pagamentos. Pinguelli chegou a ser chamado pela ministra, Dilma, para uma reunião com ela e com a El Paso, mas conseguiu convencê-la de que isso só enfraqueceria a posição da Eletrobras.

Quando tudo já parecia acertado, faltando apenas a aprovação do novo contrato pelo Ministério da Fazenda, a direção local da El Paso disse à imprensa que poderia interromper a manutenção da usina, colocando a cidade em risco de blecaute. Pinguelli foi incisivo:

– Se houver risco de blecaute em Manaus, pedirei a ocupação policial da usina para garantir seu funcionamento sob responsabilidade técnica da Eletrobras.

A declaração foi manchete nos jornais e Pinguelli foi acusado de radicalismo. “Esclareci que não se pode desligar uma usina de serviço público intencionalmente e que a ameaça de parar a manutenção configurava essa intenção”, explicou, na sua autobiografia.

Outro conflito envolveu as turbinas de Itaipu. Ao montar duas unidades, a equipe de Itaipu descobriu que algumas peças (os anéis das cruzetas inferiores) estavam trincadas. O defeito poderia comprometer a segurança da usina. Os fabricantes se ofereceram para consertar as peças defeituosas, mas Itaipu e a Eletrobras não aceitaram, exigindo a substituição, muito mais onerosa para os fornecedores.
.

A demissão

Desde o início da sua gestão, Pinguelli percebeu divergências entre suas posições e as do Ministério comandado por Dilma Rousseff. O primeiro desentendimento sério ocorreu quando criou um Grupo de Estudos para a Nova Estrutura do Setor Elétrico (Genese), coordenado por Roberto d’Araújo, integrante do grupo de trabalho que produziu o documento de diretrizes de 2002. A iniciativa desagradou o Ministério, que considerou que a Eletrobras havia ultrapassado a sua função. O primeiro relatório do Genese irritou profundamente a ministra, como Pinguelli relatou no livro. Dilma considerou a parte que apontava questões emergenciais que exigiam ações do Ministério, como as restrições de investimentos da Eletrobras e a proibição de que a estatal fosse majoritária em parcerias, como uma cobrança.

“O projeto Genese, apesar de ter sido escrito em 2003, diagnosticou muito da sequência de problemas que assistimos até hoje. Tanto as ‘Diretrizes’ quanto o Relatório Genese jamais foram divulgados e discutidos amplamente, já que, a partir de 2003, o Ministério das Minas e Energia preferiu adotar outras premissas para a reestruturação do setor elétrico brasileiro, dando continuidade às ‘reformas’ implementadas desde 1995 pelo governo Fernando Henrique Cardoso”, escreveu Roberto D’Araújo em depoimento para o site.

Na sua autobiografia, Pinguelli relata vários episódios que o colocaram em campo oposto ao da equipe econômica do governo. Progressivamente, profissionais de pensamento neoliberal assumiam postos importantes, enquanto outros, identificados com a defesa do setor estatal, eram afastados.

Ao mesmo tempo, o Tesouro demandava repasse de recursos da Eletrobras para garantir o superávit primário, coisa com a qual Pinguelli não concordava, alegando que a Eletrobras já transferia bilhões para o Tesouro. Outro motivo de constrangimento foi a tentativa de nomear um diretor para atender a “composições políticas”, o que Pinguelli não aceitou.

Notas anunciando a substituição de Pinguelli começaram a sair na imprensa. Em um fim de semana de maio de 2004, um jornalista publicou uma frase que Lula teria dito em uma reunião de líderes do PMDB: 

– Gosto muito do Pinguelli, mas ele não me dá um voto no Senado.

Na segunda-feira, ao perceber que a frase não era desmentida, Pinguelli decidiu convocar a imprensa para uma entrevista coletiva.

– Se o presidente Lula precisa do meu cargo para uma composição política no Senado, deixo-o à vontade e anuncio meu pedido de exoneração.

Houve um manifesto de movimentos sociais, entidades sindicais e intelectuais pedindo que Pinguelli permanecesse. Mas de nada adiantou: Pinguelli voltou à Coppe. A tradicional solenidade de passagem de cargo foi cancelada.

– Creio que temiam meu discurso na solenidade e sua repercussão. Não havia razão para isso, pois não me virei contra o governo – disse nas Memórias.

.

.

É preciso apoiar o governo do presidente Lula com a verdade. Dentro do governo, nem sempre se fala a verdade para o chefe, e isso é muito ruim “

Pinguelli

Na presidência da Eletrobras

Em 2002, após a eleição de Lula para presidente, o nome de Luiz Pinguelli Rosa começou a circular na imprensa como um possível ministro das Minas e Energia. Afinal, a pedido de Lula, Pinguelli coordenara o grupo de trabalho do Instituto da Cidadania que produziu o documento Diretrizes e linhas de ação para o setor elétrico brasileiro, com propostas de políticas para o setor. A convite de Pinguelli, Dilma Rousseff, que era secretária de Energia do governo de Olívia Dutra, no Rio Grande do Sul, fez parte do grupo. Na primeira reunião, Pinguelli a apresentou a Lula. “Foi amor à primeira vista no nível político”, lembra ele na sua autobiografia.

O diagnóstico para o Instituto da Cidadania era crítico das privatizações e refletia o pensamento de Pinguelli sobre o setor elétrico, que ele expressou em um debate, diante de uma plateia de empresários:

– Energia elétrica é em primeiro lugar um serviço público, com um componente de mercado como um meio, e não como um fim em si.

Pinguelli atribui a esta posição o veto ao seu nome para o Ministério e a escolha de Dilma Rousseff para o posto. Numa reportagem da revista Piauí, o jornalista Luiz Maklouf relata que Pinguelli estava certo de que seria o ministro. “Mal se anunciou a vitória do PT, Pinguelli Rosa telefonou para Ildo Sauer e disse: ‘Vamos montar o grupo de transição da área de energia aqui no Rio mesmo, que é mais fácil para mim.’ O tempo passava, no entanto, e não chegava o convite de Lula.”

Segundo a reportagem, “pesou na decisão de Lula a simpatia que Antonio Palocci tinha pela secretária gaúcha. Mais do que pessoal, a simpatia era política: o ministro da Fazenda estava informado sobre o trânsito fluido que ela mantinha com empresários do setor – assustados com a possível indicação de Pinguelli Rosa – e sabia de sua concordância com a ‘Carta aos Brasileiros’, o documento de campanha que simbolizava a mudança do PT”.

No seu livro Memórias, Pinguelli lembra da “Carta aos Brasileiros” como uma infeliz virada do governo petista, em que Lula e seus companheiros, em nome da governabilidade, anunciaram que vitórias da gestão de Fernando Henrique Cardoso não seriam colocados em risco, nem haveria mudanças abruptas na política econômica.

Embora deixe transparecer uma ponta de decepção por não ter sido indicado ministro, ele frisou que tinha deixado claro que não queria trabalhar em Brasília:

– Prefiro um cargo em uma estatal no Rio – dizia aos amigos.

E foi o que ele recebeu, com o convite para presidir a Eletrobras, a holding de um sistema de 17 organizações, incluindo Itaipu, a Eletronuclear e um centro de pesquisas, o CEPEL. Na posse, na lotada sede da Firjan, com a presença da ministra Dilma, um emocionado Pinguelli anunciou prioridades, como a criação de uma Coordenação para Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social, que teria a seu cargo a universalização do acesso à energia no Brasil, e a valorização do conselho de presidentes das empresas do grupo.

Pinguelli terminou o discurso com uma frase de Betinho: “Todas as empresas públicas ou privadas, sejam grandes ou pequenas, nacionais ou multinacionais, só fazem sentido, só valem a pena, se elas contribuírem para construir um país onde todos possam ter o atendimento de suas necessidades fundamentais”.

Foi com esta visão que Pinguelli Rosa dirigiu a estatal, que queria tornar “a Petrobras do setor elétrico”. A empresa, conta ele no seu livro, “estava esvaziada e com o moral baixo, esperando a privatização”. As organizações do grupo atuavam sem uma coordenação efetiva entre si.

Um dos seus primeiros atos foi colocar para funcionar o Concise, conselho de presidentes das empresas do grupo, que até então existia mais no papel do que na realidade. Jorge Miguel Samek, que foi diretor de Itaipu no período, lembra como funcionava o conselho: “Todo mês era reunião com todos os dirigentes do setor energético, com pauta, meta e uma cobrança permanente desse processo, o que nós avançamos em dois anos, não aconteceu na sequência de todos os anos posteriores”, disse, em evento de homenagem ao amigo.

Pinguelli tinha orgulho ao enumerar as realizações do seu curto período à frente da estatal, de janeiro de 2003 a maio de 2004. As ações da holding valorizaram 103% e empresas como Furnas e Chesf tiveram lucros recorde. Em 2003, o governo lançou o programa Luz para Todos, com a meta de beneficiar 12 milhões de brasileiros sem acesso à energia elétrica até 2008. O programa era executado pela Eletrobras, em articulação com o Programa Fome Zero. Assim, o fornecimento de energia elétrica era associado a iniciativas de geração de renda.

Os embates

As mudanças na gestão não aconteceram sem brigas. A primeira foi uma das mais barulhentas, pois mobilizou a classe artística. A Eletrobras era uma grande patrocinadora de equipes esportivas, filmes, eventos, e livros, além de ações de preservação do patrimônio histórico e artístico. André Spitz, assessor da presidência e responsável pela coordenação do Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social, propôs tornar o processo mais transparente, instituindo um edital público e a criação de critérios claros. A nova política também incluiria reservar parte dos recursos para pequenas produções de cinema e teatro em todas as regiões do Brasil.

A proposta provocou uma onda de projetos de artistas, que acusavam a empresa de pretender dirigir as ações culturais. “Foi uma grande mudança, que gerou uma forte reação. A pressão foi enorme, chegou a sair matéria no Jornal Nacional”, lembrou Spitz, em seu depoimento para o site. Pinguelli convocou uma reunião com alguns representantes da cultura, que incluiu os atores Marieta Severo e Marco Nanini e o cineasta Luiz Carlos Barreto. “Ele conseguiu amenizar os ânimos. Também publicou um importante artigo no jornal O Globo. Ele tinha uma grande capacidade de dialogar”, acrescentou Spitz. Um documento de consenso, que incluiu sugestões feitas pelos artistas, encerrou a polêmica.

Pinguelli também usou sua capacidade de dialogar no contato com os representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Ele conhecera o grupo anos antes, quando estava à frente da ANDES, e ficara convencido sobre a importância de considerar o impacto social nos projetos hidrelétricos. Como pesquisador, fora co-autor de livros e pesquisas sobre o tema. Na Eletrobras, ele conseguiu estabelecer uma relação respeitosa com o grupo: “Não fugi do debate. Convidei representantes do MAB para reuniões (…) e criei uma assessoria para tratar das questões que o movimento colocava”, escreveu, em seu livro “Memórias”. O relato é confirmado por André Spitz: “Pinguelli teve uma postura totalmente inovadora na relação com o Movimento, estabelecendo uma relação de confiança e atendendo de forma mais justa às suas demandas”.

Como gestor, Pinguelli não deixou de comprar briga com empresas privadas para defender os interesses da estatal. Foi assim que insistiu para que Furnas suspendesse um contrato com os controladores de uma usina em Cuiabá, que cobravam um preço altíssimo por energia que não precisava. O Ministério da Fazenda dizia que não era possível alterar o contrato.

– Renegociações de contratos ocorrem entre empresas privadas, porque não entre uma estatal e uma empresa privada? – argumentou Pinguelli.

Um dos embates mais duros foi com a El Paso, dona de uma termelétrica que fornecia energia à Manaus Energia a um preço considerado muito alto. Com o contrato entre as duas organizações vencido, Pinguelli encarregou o diretor financeiro Alexandre Magalhães da Silveira de negociar novos termos. A El Paso queria renovar o contrato, nas mesmas bases, por mais 20 anos. Sem acordo, a Eletrobras suspendeu os pagamentos. Pinguelli chegou a ser chamado pela ministra, Dilma, para uma reunião com ela e com a El Paso, mas conseguiu convencê-la de que isso só enfraqueceria a posição da Eletrobras.

Quando tudo já parecia acertado, faltando apenas a aprovação do novo contrato pelo Ministério da Fazenda, a direção local da El Paso disse à imprensa que poderia interromper a manutenção da usina, colocando a cidade em risco de blecaute. Pinguelli foi incisivo:

– Se houver risco de blecaute em Manaus, pedirei a ocupação policial da usina para garantir seu funcionamento sob responsabilidade técnica da Eletrobras.

A declaração foi manchete nos jornais e Pinguelli foi acusado de radicalismo. “Esclareci que não se pode desligar uma usina de serviço público intencionalmente e que a ameaça de parar a manutenção configurava essa intenção”, explicou, na sua autobiografia.

Outro conflito envolveu as turbinas de Itaipu. Ao montar duas unidades, a equipe de Itaipu descobriu que algumas peças (os anéis das cruzetas inferiores) estavam trincadas. O defeito poderia comprometer a segurança da usina. Os fabricantes se ofereceram para consertar as peças defeituosas, mas Itaipu e a Eletrobras não aceitaram, exigindo a substituição, muito mais onerosa para os fornecedores.

A demissão

Desde o início da sua gestão, Pinguelli percebeu divergências entre suas posições e as do Ministério comandado por Dilma Rousseff. O primeiro desentendimento sério ocorreu quando criou um Grupo de Estudos para a Nova Estrutura do Setor Elétrico (Genese), coordenado por Roberto d’Araújo, integrante do grupo de trabalho que produziu o documento de diretrizes de 2002. A iniciativa desagradou o Ministério, que considerou que a Eletrobras havia ultrapassado a sua função. O primeiro relatório do Genese irritou profundamente a ministra, como Pinguelli relatou no livro. Dilma considerou a parte que apontava questões emergenciais que exigiam ações do Ministério, como as restrições de investimentos da Eletrobras e a proibição de que a estatal fosse majoritária em parcerias, como uma cobrança.

“O projeto Genese, apesar de ter sido escrito em 2003, diagnosticou muito da sequência de problemas que assistimos até hoje. Tanto as ‘Diretrizes’ quanto o Relatório Genese jamais foram divulgados e discutidos amplamente, já que, a partir de 2003, o Ministério das Minas e Energia preferiu adotar outras premissas para a reestruturação do setor elétrico brasileiro, dando continuidade às ‘reformas’ implementadas desde 1995 pelo governo Fernando Henrique Cardoso”, escreveu Roberto D’Araújo em depoimento para o site.

Na sua autobiografia, Pinguelli relata vários episódios que o colocaram em campo oposto ao da equipe econômica do governo. Progressivamente, profissionais de pensamento neoliberal assumiam postos importantes, enquanto outros, identificados com a defesa do setor estatal, eram afastados.

Ao mesmo tempo, o Tesouro demandava repasse de recursos da Eletrobras para garantir o superávit primário, coisa com a qual Pinguelli não concordava, alegando que a Eletrobras já transferia bilhões para o Tesouro. Outro motivo de constrangimento foi a tentativa de nomear um diretor para atender a “composições políticas”, o que Pinguelli não aceitou.

Notas anunciando a substituição de Pinguelli começaram a sair na imprensa. Em um fim de semana de maio de 2004, um jornalista publicou uma frase que Lula teria dito em uma reunião de líderes do PMDB: 

– Gosto muito do Pinguelli, mas ele não me dá um voto no Senado.

Na segunda-feira, ao perceber que a frase não era desmentida, Pinguelli decidiu convocar a imprensa para uma entrevista coletiva.

– Se o presidente Lula precisa do meu cargo para uma composição política no Senado, deixo-o à vontade e anuncio meu pedido de exoneração.

Houve um manifesto de movimentos sociais, entidades sindicais e intelectuais pedindo que Pinguelli permanecesse. Mas de nada adiantou: Pinguelli voltou à Coppe. A tradicional solenidade de passagem de cargo foi cancelada.

– Creio que temiam meu discurso na solenidade e sua repercussão. Não havia razão para isso, pois não me virei contra o governo – disse nas Memórias.

É preciso apoiar o governo do presidente Lula com a verdade. Dentro do governo, nem sempre se fala a verdade para o chefe, e isso é muito ruim “

Pinguelli

MATERIAL RELACIONADO

DOCUMENTOS

.

ARTIGOS DE PINGUELLI 

.

MATÉRIAS E REPORTAGENS 

.

VÍDEOS

Café Filosófico: A matriz energética brasileira e a mudança do clima (Percy Reflexão,  julho de 2013)
Seminário “O `imbroglio` do setor elétrico brasileiro em debate” (Institucional AFBNDES, abril de 2014)
Parte 2: https://www.youtube.com/watch?v=Q2Stiy3EiJM&t=9s
“As hidrelétricas são a melhor solução para a geração de energia” (Carta Capital, junho de 2015)
Arquivo GEE: Luiz Pinguelli Rosa (Canal GEE, junho de 2016)
Parte 2: https://www.youtube.com/watch?v=vm119rJ0gN8
Conferência magna sobre o tema “Segurança energética” (Agência Sapiens, setembro de 2016)
Privatização da Eletrobras – 1º debate da série “Crise da Engenharia Nacional” (Clube de Engenharia, novembro de 2017)
Soberania energética e a ameaça das privatizações (TV 247, maio de 2021)
Tutaméia entrevista Pinguelli: crise energética (Tutaméia TV, setembro de 2021)