Defensor da democracia plena e crítico do neoliberalismo

O papel do Estado e crítica às privatizações

Após o fim do governo militar, a crítica ao papel do Estado na economia brasileira ganhou impulso. No centro do debate, que dividiria o país nos anos seguintes, estavam as empresas estatais, concebidas como motores do desenvolvimento, para atuar na construção de infraestrutura, mineração, extração de óleo e gás, geração de energia e outros – setores estratégicos, onde o capital privado por vezes não tinha os recursos necessários para intervir.

No entanto, durante a estagnação econômica que predominou nos anos 1980, essas empresas passaram a ser cada vez mais vistas como culpadas pelo aumento da dívida externa (já que captavam empréstimos no exterior) e pela ineficiência do Estado brasileiro.

Em 1987, o Brasil decretou a moratória da dívida; nos anos seguintes, a negociação da dívida externa tornou-se essencial para retomar a possibilidade de empréstimos internacionais. Em 1989, o Instituto de Economia Internacional promoveu um seminário para discutir as reformas necessárias para que as economias latino-americanas se adequassem ao ideário liberal. Neste encontro, surgiu a agenda de propostas que ficaria conhecida como “Consenso de Washington”.

Entre medidas como reforma tributária, liberação de barreiras para entrada de investimentos estrangeiros e déficits orçamentários reduzidos, o Consenso recomendava a privatização das empresas estatais. O governo de Collor de Mello se propôs a implantar esta agenda no Brasil e em 1990 sancionou a lei que criou o Programa Nacional de Desestatização (PND).

A partir daquele ano, lembra José Drummond Saraiva, ex-diretor da Eletrobras na gestão de Pinguelli, “a sociedade brasileira foi invadida por uma onda neoliberal e tudo o que era do Estado passou a ser considerado algo de segunda categoria, que deveria ser extirpado em nome da dita eficiência do capital privado”.

Durante o governo Collor, entre 1991 e 1992, a privatização alcançou 18 empresas, incluindo a siderúrgica Usiminas, mas gerou pouquíssimos recursos – apenas US$ 4, 58 bilhões – para sanar as contas públicas.

Desde o início do debate sobre a desestatização, Pinguelli Rosa, assim como muitos outros pesquisadores e ativistas, havia expressado críticas ao processo, particularmente no setor elétrico. Como coordenador do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, ele articulou seminários para debater a participação privada no setor de geração de energia, da qual participavam os pesquisadores do Programa de Planejamento Energético da Coppe. Após o impeachment, com a posse do vice Itamar Franco, uma oportunidade de diálogo surgiu.

Em 1993, Pinguelli, acompanhado de André Spitz e Julio de Maria Borges, viu-se no Palácio do Planalto, apresentando a Itamar Franco e ao comando do setor de energia um pequeno seminário sobre os riscos de entregar uma área essencial para o desenvolvimento à iniciativa privada sem que fossem tomadas precauções. “Itamar resistiu à privatização do setor elétrico e deu espaço para resistência contra a mudança do monopólio do petróleo, que não passou no Congresso durante o seu mandato”, escreveu ele em seu livro de memórias. O presidente reduziu a velocidade das privatizações, mas permitiu a venda da emblemática Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e da Açominas.

O governo FHC

O programa de privatizações ganhou muito mais velocidade nos mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Falava-se muito na privatização do setor elétrico e, em dezembro de 1994, logo após a eleição de FHC, o grupo de Energia do Fórum de Ciência e Cultura e a Coppe apresentaram uma proposta de uma nova política energética nacional, que limitasse a “participação privada no setor elétrico para sua expansão, para usinas novas e conclusão de obras”. O documento também pedia que o papel do Estado no setor de petróleo fosse preservado, sem que fossem negociadas concessões de exploração, e o incentivo ao uso de energias renováveis.

Os anúncios de planos para privatizações do setor de petróleo mobilizaram a esquerda. Pinguelli e os demais integrantes do grupo não ficaram de fora, participando de debates, organizando encontros e depondo na Câmara Federal. De volta à Coppe, Pinguelli estimulou os estudos do Centro de Estudos Energéticos (Energe), que se tornou um núcleo de resistência às privatizações. Pinguelli defendia que não seria necessário mudar a legislação para permitir a entrada do setor privado, já que a Petrobras já tinha parcerias com empresas. Mas a sua visão foi derrotada:  em novembro de 1995, uma decisão do Senado acabou com o monopólio da pesquisa, lavra, refino e transporte do petróleo e gás natural da Petrobras.

A venda da Vale do Rio Doce

O anúncio de FHC de que a Vale do Rio Doce seria privatizada acendeu o sinal de alarme para Pinguelli e outros adversários do neoliberalismo. A venda da gigante da mineração, terceira mineradora do mundo e maior exportadora nacional, prometia ser o maior negócio do programa de privatizações. Em parceria com o deputado Miro Teixeira, Pinguelli montou uma verdadeira estratégia de guerrilha contra o negócio. Miro propôs a criação de uma comissão externa para acompanhar o planejamento da privatização. A Comissão seria assessorada por um Grupo de Assessoria Técnica (GAT), uma equipe de especialistas que, assim, poderia ter acesso todas as informações sobre a Vale.

Fernando Peregrino, que participou intensamente daquela mobilização, lembra aquele momento: “Éramos 22 técnicos de várias origens. Pinguelli coordenava e eu era o coordenador executivo, com presença fundamental de Sebastião Soares, engenheiro do BNDES e profundo conhecedor da questão do desenvolvimento nacional”.

A Vale havia criado uma Sala de Dados (Data Room) sobre a empresa, acessível apenas aos compradores. Através da Câmara, entretanto, os pesquisadores do GAT também podiam consultar as informações. Os técnicos da COPPE avaliaram que o preço mínimo fixado pelo governo estava pelo menos R$ 2,057 bilhões abaixo do que deveria ser.

“Nossos especialistas de geologia descobriram que a medição de uma mina localizada em Carajás, ainda não havia sido concluída e estava incluída no patrimônio a ser vendido. Era ouro e prata. Pinguelli denunciou estridentemente esse caso, afinal um consórcio formado pela Anglo American despontava como comprador, e sua broker Merril Lynch havia participado da modelagem do processo de venda. O conflito de interesse era flagrante!”, lembra Peregrino, que posteriormente fez o prefácio do livro “Um país em leilão: a privatização da Vale do Rio Doce”, de Pinguelli..

Pinguelli denunciou o caso e o governo brasileiro acabou manobrando para que os fundos de pensão apoiassem o consórcio formado pelo Grupo Vicunha, CSN e Light. Na imprensa, Pinguelli apontava o baixo valor previsto para a venda, já que as reservas de ferro e outros minérios não eram consideradas.

Foi, talvez, a maior batalha judicial do país, com cerca de 130 ações judiciais imperadas. Houve manifestações nas ruas e o leilão foi adiado mais de uma vez. Mas, em 29 de abril de 1997, enquanto manifestantes protestavam em frente à Bolsa de Valores do Rio, a Vale foi vendida por valor considerado extremamente baixo: US$ 3,3 bilhões.

As privatizações, como se sabe, não pararam por aí. O setor elétrico e de telecomunicações também entrou na mira dos privatistas. E, mais uma vez, Pinguelli teria um papel importante a desempenhar.

O papel do Estado e crítica às privatizações

Após o fim do governo militar, a crítica ao papel do Estado na economia brasileira ganhou impulso. No centro do debate, que dividiria o país nos anos seguintes, estavam as empresas estatais, concebidas como motores do desenvolvimento, para atuar na construção de infraestrutura, mineração, extração de óleo e gás, geração de energia e outros – setores estratégicos, onde o capital privado por vezes não tinha os recursos necessários para intervir.

No entanto, durante a estagnação econômica que predominou nos anos 1980, essas empresas passaram a ser cada vez mais vistas como culpadas pelo aumento da dívida externa (já que captavam empréstimos no exterior) e pela ineficiência do Estado brasileiro.

Em 1987, o Brasil decretou a moratória da dívida; nos anos seguintes, a negociação da dívida externa tornou-se essencial para retomar a possibilidade de empréstimos internacionais. Em 1989, o Instituto de Economia Internacional promoveu um seminário para discutir as reformas necessárias para que as economias latino-americanas se adequassem ao ideário liberal. Neste encontro, surgiu a agenda de propostas que ficaria conhecida como “Consenso de Washington”.

Entre medidas como reforma tributária, liberação de barreiras para entrada de investimentos estrangeiros e déficits orçamentários reduzidos, o Consenso recomendava a privatização das empresas estatais. O governo de Collor de Mello se propôs a implantar esta agenda no Brasil e em 1990 sancionou a lei que criou o Programa Nacional de Desestatização (PND).

A partir daquele ano, lembra José Drummond Saraiva, ex-diretor da Eletrobras na gestão de Pinguelli, “a sociedade brasileira foi invadida por uma onda neoliberal e tudo o que era do Estado passou a ser considerado algo de segunda categoria, que deveria ser extirpado em nome da dita eficiência do capital privado”.

Durante o governo Collor, entre 1991 e 1992, a privatização alcançou 18 empresas, incluindo a siderúrgica Usiminas, mas gerou pouquíssimos recursos – apenas US$ 4, 58 bilhões – para sanar as contas públicas.

Desde o início do debate sobre a desestatização, Pinguelli Rosa, assim como muitos outros pesquisadores e ativistas, havia expressado críticas ao processo, particularmente no setor elétrico. Como coordenador do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, ele articulou seminários para debater a participação privada no setor de geração de energia, da qual participavam os pesquisadores do Programa de Planejamento Energético da Coppe. Após o impeachment, com a posse do vice Itamar Franco, uma oportunidade de diálogo surgiu.

Em 1993, Pinguelli, acompanhado de André Spitz e Julio de Maria Borges, viu-se no Palácio do Planalto, apresentando a Itamar Franco e ao comando do setor de energia um pequeno seminário sobre os riscos de entregar uma área essencial para o desenvolvimento à iniciativa privada sem que fossem tomadas precauções. “Itamar resistiu à privatização do setor elétrico e deu espaço para resistência contra a mudança do monopólio do petróleo, que não passou no Congresso durante o seu mandato”, escreveu ele em seu livro de memórias. O presidente reduziu a velocidade das privatizações, mas permitiu a venda da emblemática Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e da Açominas.

O governo FHC

O programa de privatizações ganhou muito mais velocidade nos mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Falava-se muito na privatização do setor elétrico e, em dezembro de 1994, logo após a eleição de FHC, o grupo de Energia do Fórum de Ciência e Cultura e a Coppe apresentaram uma proposta de uma nova política energética nacional, que limitasse a “participação privada no setor elétrico para sua expansão, para usinas novas e conclusão de obras”. O documento também pedia que o papel do Estado no setor de petróleo fosse preservado, sem que fossem negociadas concessões de exploração, e o incentivo ao uso de energias renováveis.

Os anúncios de planos para privatizações do setor de petróleo mobilizaram a esquerda. Pinguelli e os demais integrantes do grupo não ficaram de fora, participando de debates, organizando encontros e depondo na Câmara Federal. De volta à Coppe, Pinguelli estimulou os estudos do Centro de Estudos Energéticos (Energe), que se tornou um núcleo de resistência às privatizações. Pinguelli defendia que não seria necessário mudar a legislação para permitir a entrada do setor privado, já que a Petrobras já tinha parcerias com empresas. Mas a sua visão foi derrotada:  em novembro de 1995, uma decisão do Senado acabou com o monopólio da pesquisa, lavra, refino e transporte do petróleo e gás natural da Petrobras.

A venda da Vale do Rio Doce

O anúncio de FHC de que a Vale do Rio Doce seria privatizada acendeu o sinal de alarme para Pinguelli e outros adversários do neoliberalismo. A venda da gigante da mineração, terceira mineradora do mundo e maior exportadora nacional, prometia ser o maior negócio do programa de privatizações. Em parceria com o deputado Miro Teixeira, Pinguelli montou uma verdadeira estratégia de guerrilha contra o negócio. Miro propôs a criação de uma comissão externa para acompanhar o planejamento da privatização. A Comissão seria assessorada por um Grupo de Assessoria Técnica (GAT), uma equipe de especialistas que, assim, poderia ter acesso todas as informações sobre a Vale.

Fernando Peregrino, que participou intensamente daquela mobilização, lembra aquele momento: “Éramos 22 técnicos de várias origens. Pinguelli coordenava e eu era o coordenador executivo, com presença fundamental de Sebastião Soares, engenheiro do BNDES e profundo conhecedor da questão do desenvolvimento nacional”.

A Vale havia criado uma Sala de Dados (Data Room) sobre a empresa, acessível apenas aos compradores. Através da Câmara, entretanto, os pesquisadores do GAT também podiam consultar as informações. Os técnicos da COPPE avaliaram que o preço mínimo fixado pelo governo estava pelo menos R$ 2,057 bilhões abaixo do que deveria ser.

“Nossos especialistas de geologia descobriram que a medição de uma mina localizada em Carajás, ainda não havia sido concluída e estava incluída no patrimônio a ser vendido. Era ouro e prata. Pinguelli denunciou estridentemente esse caso, afinal um consórcio formado pela Anglo American despontava como comprador, e sua broker Merril Lynch havia participado da modelagem do processo de venda. O conflito de interesse era flagrante!”, lembra Peregrino, que posteriormente fez o prefácio do livro “Um país em leilão: a privatização da Vale do Rio Doce”, de Pinguelli..

Pinguelli denunciou o caso e o governo brasileiro acabou manobrando para que os fundos de pensão apoiassem o consórcio formado pelo Grupo Vicunha, CSN e Light. Na imprensa, Pinguelli apontava o baixo valor previsto para a venda, já que as reservas de ferro e outros minérios não eram consideradas.

Foi, talvez, a maior batalha judicial do país, com cerca de 130 ações judiciais imperadas. Houve manifestações nas ruas e o leilão foi adiado mais de uma vez. Mas, em 29 de abril de 1997, enquanto manifestantes protestavam em frente à Bolsa de Valores do Rio, a Vale foi vendida por valor considerado extremamente baixo: US$ 3,3 bilhões.

As privatizações, como se sabe, não pararam por aí. O setor elétrico e de telecomunicações também entrou na mira dos privatistas. E, mais uma vez, Pinguelli teria um papel importante a desempenhar.