Se alguém me faz falta é o Pinguelli, quase toda semana a gente se encontrava para salvar o Brasil

por Ivan Soter, colega de Pinguelli na Academia Militar das Agulhas Negras, turma de 1962

Prefácio da autobiografia de Pinguelli, “Memórias – De Vargas a Lula: A resistência à ditadura e ao neoliberalismo”, da editora Contraponto

Uma amizade de sessenta anos. Sólida, indestrutível, construída nos esteios em que assentaríamos nossos pés a vida toda: a ideologia calcada no social, na luta pelo patrimônio do povo brasileiro.

Esse encontro aconteceu na Academia Militar das Agulhas Negras. Um encontro natural, uma identidade nos propósitos que esperávamos como oficiais do Exército, a de sermos úteis ao nosso país no futuro, que parecia ser alegre.

1962, ano do nosso oficialato. Presidente João Goulart. Tudo era bonito em nosso risonho porvir.

Pinguelli, um garoto de vinte anos, foi a ponta de lança desse futuro que antecipávamos maravilhoso. Com coragem, marcou sua personalidade.

Em plena Academia Militar das Agulhas Negras, reacionária por definição, juntou oficiais e cadetes em uma reunião que se tornou histórica para nós. Apresentou a palestra “O Exército e o desenvolvimento nacional”, sintetizada por ele mesmo na frase do conde de Afonso Celso: “Por que me ufano de meu país.” Para substanciar a palestra, montou uma exposição que resumia o Brasil que teríamos, com fotos, cartazes e amplo material gráfico. A exposição recebeu cadetes e oficiais durante semanas. Inconcebível, se pensarmos no que ocorre hoje.

A inesquecível exposição, registrada com texto e fotos na revista anual da AMAN, enfatizava o papel do Exército como coadjuvante do processo de desenvolvimento do país, ao lado do povo. Provavelmente perturbou a mente retrógrada dos oficiais, os quais, dali a dois anos, deram um golpe escurecedor do futuro que, para nós, seria radioso. Muitos daqueles cadetes, que nada entenderam da exposição, participaram do golpe.

Pinguelli alçou voo. Oficial, físico nuclear, professor, destaque da vida acadêmica, um voo que acompanhávamos com nossos binóculos. Ainda daria lição de superioridade quando, ao ser alijado da presidência da Eletrobras, entendeu o ato político. Jamais criticou, jamais lamentou, qual tantos outros que passaram por algo parecido. Como ave altaneira, sobrevoou as politicalhas.

Eterno Pinguelli.

Entrevista dada para o curta documentário “60 anos do Golpe de 1964 – Ciência em tempos de Ditatura (Luiz Pinguelli)”, produzido pelo Museu de Astronomia e Ciências Afins e lançado em abril de 2024